Ao assistir os noticiários durante o período da "greve dos caminhoneiros" recordei saudosa do mestre Sérgio Porto (1923-1968), que dentre as principais atividades, atuou como jornalista, escritor, humorista, radialista e redator do Programa do Chico Anísio. Confessava ele que "odiava puxa saco, militar metido a machão, burro metido a sabido e, principalmente, racista". Não tinha partido político, muito menos gostava de política, mas foi um dos críticos mais bem humorados de tudo que acontecia no período da ditadura militar, a qual chamava "redentora", publicando crônicas no Jornal Última Hora (do inesquecível Samuel Wainer), usando o heterônimo de Stanislaw Ponte Preta. Em 1966, Sergio Porto lançou o 1º Febeapá - Festival de Besteira que Assola o País, depois vieram mais dois livros, reunidos em um só volume, em 2015, pela Companhia das Letras.
Marielle Franco: - plantou, colheu!
Stanislaw tinha um estilo encantador e reuniu verdadeiras pérolas, como aquela de 1966, colhida no Teatro Municipal de São Paulo. Após a estreia, o elenco da peça Electra, recebeu a visita de agentes do DOPS, o temido Departamento de Ordem Política e Social, que procuravam por Sófocles, autor da peça, e acusado de subversão. A ordem era levá-lo preso. Infelizmente ou felizmente (?) era uma missão impossível, pois o acusado morrera em 406 A.C.
Em Minas Gerais, encontrou outra pérola, que veio da parte de um delegado que proibiu mulheres com pernas de fora em bailes de carnaval, para evitar "fantasias que ofendam as Forças Armadas". E Stanislaw arrematou: - "como se perna de mulher alguma vez na vida tivesse ofendido as armas de alguém".
Penso que o Febeapá começou a ser gestado em terras Tupiniquins, desde a chegada dos primeiros colonizadores portugueses. Com o passar do tempo, o elenco foi aumentando e o advento das redes sociais associado à facilidade de registro em vídeos, a partir da câmera de celulares, deu ao festival um toque de atualidade, permitindo que assistamos o lançamento da nova temporada, tendo como pano de fundo a "greve dos caminhoneiros", um movimento justo, por sinal.
Foto: Renan Mattos (Diário)
Greve dos caminhoneiros
Quem abre o evento é o jornalista global Alexandre Garcia, que no último dia 28, segunda-feira, culpou Lula e Dilma pela greve dos caminhoneiros, por terem facilitado a aquisição de caminhões, numa atitude nitidamente preconceituosa e favorável aos grandes empresários da área. Na cidade paulista de Avaré, considerada uma estância turística, aconteceu no domingo, dia 27 de maio, um ato em apoio aos caminhoneiros, em frente ao tiro de guerra. No vídeo um manifestante anuncia total apoio da população avareense à intervenção militar. Após os aplausos, ouve-se "Pra não dizer que não falei de flores" na voz de Zé Ramalho - música símbolo da resistência dos brasileiros contra a ditadura miliar.
Para comprovar a amplitude do festival, cobrindo todo o território nacional, no último dia 27, em Recife, Bairro da Graça, nas dependências do Posto Shell foi realizado um culto em louvor, reunindo moradores da região e funcionários. A foto teve mais de 594 mil visualizações e 10 mil compartilhamentos no Facebook. Equivocadamente, internautas entenderam tratar-se de orações pela volta da gasolina, o que provocou uma enxurrada de postagens debochadas. Um pouco de Fake News com pitadas de intolerância religiosa e maldade.
E o festival não parou. Com relação ao desabastecimento, conseguimos provar o quanto somos foliões trogloditas do "Bloco do Eu Sozinho": em Porto Alegre, respeitáveis senhoras partiram para as vias de fato, na tentativa de comprar o maior número de "bisnaguinhas". O episódio seguinte, talvez tenha ocorrido na saída de algum supermercado, em terras do Coração do Rio Grande, respeitável senhora deixou o estabelecimento portando oito caixas de ovos e, ao ser entrevistada, alegou que pegou tudo, porque iria faltar. Tudo bem, correto. Mas sequer percebeu que atrás dela, havia uma fila de pessoas que desejavam comprar ovos.
No quinto dia da greve, a tensão pela falta de gasolina levou dois homens à lona, após troca de socos em um posto de combustível, no Distrito Federal. E na vizinha Taguatinga, enquanto aguardavam a chegada do líquido precioso, mulheres dão show de MMA, à base de empurrões e puxões de cabelos.
A nova temporada do Festival de Besteira que Assola o País promete e tem revelado o que temos de pior.